Ninfomaníaca é um filme de Lars von Trier de 2013. A película está dividida em 2 volumes. Este filme encerra uma trilogia que começa com Anticristo (2009), passa por Melancolia (2011). As três obras contam com Charlotte Gainsbourg como protagonista.

Recomendo antes de iniciar esta leitura, a ler a crítica do volume 1.

O volume 2 de Ninfomaníaca é a continuação da estória de Joe, iniciada no volume anterior.

Joe (Charlotte Gainsbourg) continua a narrar sua estória para Seligman (Stellan Skarsgård), seu novo amigo.

A ninfomaníaca encontra finalmente o amor nos braços de Jerôme. Em busca do orgasmo, ela excede os esforços do marido que, em sua fraqueza concede que busque satisfação fora do casamento.

Ela narra como engravidou de seu marido, o nascimento de seu filho e o desastre que foi como mãe.

Em busca de prazer fora do casamento, tem uma experiência desastrosa com africanos, mas prossegue em outras linhas fetichistas. Busca o sadomasoquismo e encontra um dominador, que lhe traz novidades sobre o orgasmo, um ponto positivo em sua busca.

Envolvida em problemas no trabalho, é encaminhada para uma terapia em grupo onde tenta aprender a se controlar. Ela consegue por um tempo, mas o resultado não sai como esperado. Frustrada com o resultado da terapia abandona a vida em sociedade.

Agora à margem da sociedade, encontra um emprego no submundo no qual seus talentos e conhecimentos do universo e mentalidade masculina são caros.

Em seu novo trabalho, um cliente demonstra ser imune à toda metologia conhecida. Ela descobre se tratar de outro submundo: pedofilia. O indivíduo é recompensado de uma forma inusitada.

O avanço da idade de Joe requer uma substituta para o futuro. A protagonista encontra e treina uma garota. Tal expediente conduz a um passeio pelo homossexualismo.

Um dia, o alvo do submundo em que se meteu, é alguém importante de seu passado. O que gera uma cruel reviravolta em sua história.

Vendo-se em uma situação onde perdeu seu lugar, ela tem que lidar com os fatos e conhece o ciúme. Em um ato de fraqueza, opta pela vingança e fracassa de forma humilhante.

Já próximo do final do filme, Seligman então recebe a punição justa por seu relativismo moral.

O roteiro é lento mas não deixa faltar informações, em termos técnicos é suficiente e bom; em termos filosóficos a narrativa e os simbolismos são horríveis, são uma deformidade mental de Lars Von Trier. O autor coloca a busca pelo prazer como exclusividade da personagem que sofre de ninfomania, como um problema de saúde de ordem mental e fisiológico, mas ao mesmo tempo, principalmente após a ruptura com a sociedade, inicia um grotesco discurso marxista. Se por um lado ela culpa a “sociedade burguesa” por outro lado, o advento da sociedade burguesa foi justamente o que proporcionou uma visão antropológica de sociedade na qual as pessoas tem direito de buscar seus prazeres. Isso foi novidade em relação à sociedade aristocrática. O igualar dos direitos da mulher, foi também novidade trazida pela sociedade burguesa: foi o resultado do processo judicial criado pelos tribunais da inquisição. Ela culpa a sociedade onde a sociedade não tem culpa e acredita que seu desrespeito aos limites dos semelhantes deve ser reconhecido como padrão de normalidade: “Respeitem meu desrespeito!“.

O problema da narrativa como um todo é o desfecho: Seligman coloca-a como uma mulher que se comporta como um homem, afirmando que se isso tudo fosse feito por um homem, estaria tudo bem, não haveria condenação da sociedade. É lógico que isso é digno de um porco intelectual: um homem que faz o que ela faz não é visto como um herói, é desprezado. O novo amigo a coloca como “oprimida pela sociedade“, como vítima de costumes e tradições.

O tempero marxista ganha força quando o empregador criminoso faz todo um discurso capitalista. O desprezo pelos homens é desde o primeiro volume: os homens não tem nome, tem letras que os identificam como números.

Um dos pontos mais pesados da psicopatia de Trier é a afirmação que o pedófilo é um sujeito que sofre demais por sentir vontade de transar com crianças e ter que se conter. A conclusão do autor é que tal desejo impróprio, que não respeita os limites da infância, ao invés de ser tratado, deve ser premiado. Ele transforma o desejo pelo mal em um sofrimento terrível e culpa a sociedade por tal.

Filosoficamente falando, a ética de Trier é que o bem consiste em saciar seus apetites a qualquer custo e o mal em rejeitá-los. Disso deduz-se uma cosmovisão na qual a humanidade é composta de indivíduos incapazes de reconhecer os semelhantes, beirando o irracional, e que nada que seja feito baseado em seus próprios desejos é mal, pelo contrário: desejou, sentiu vontade, é bem automaticamente. Ou seja, o mundo é composto de animais irracionais.

O que o autor está dizendo implicitamente, é que a esquerda (principalmente a feminista), é toda psicopata e sociopata.

Eis aí a loucura de Trier: afirmar que toda mulher, é no fundo como Joe, e que contra esta opressão da sociedade malvada, o movimento feminista luta. Para Trier, toda mulher é uma aberração mental incapaz de amar, uma máquina de sexo que só deseja orgasmos e mais nada e o pior, que todos os sentimentos são inferiores ao tesão, e ainda que são mentiras.

O arco narrativo é a estória de um distúrbio psicótico que resulta em surto.

A curva dramática é a de uma niilista psicopata (o que fica claro no primeiro volume, ao não sentir culpa pela destruição de uma família), que não sente culpa e não reconhece limites entre si e o seu semelhante e ainda orgulha-se dizendo “eu sou assim!” (patologicamente psicopatia). Ela reconhece as regras da sociedade como linguagem de convívio, mas não como direitos e deveres. Não há empatia com seu semelhante, sequer com seu filho. Os momentos em que surgem empatia são os mais hostis, ela “ama” o homem que a humilha na adolescência, mas não como ser humano, não como parceiro, apenas ama-o como desafio, está mais para auto-penitência que para amor. Ela perde-se de desejo pelo dominador, mas não há contato humano, apenas proposta sexual e não é pelo homem, mas sim pela situação: é um fetiche no sentido literal da palavra. Quando encontra um amigo de verdade, Seligman, passa cruelmente a provocá-lo e torturá-lo, afirmando que seus modos são pouco viris, que sua virgindade é vergonhosa e que sua complacência é entendiante. Ela sabe que não merece a piedade depositada, e após receber toda misericórdia e paciência de um amigo, após insinuar-se com histórias sexuais, condena-o pelo resultado do que plantou. Ela finalmente atinge o auge da psicopatia e comete um assassinato contra o personagem que mais a ajudou depois dos pais.

A fotografia é mais iluminada comparada ao antecessor, a velocidade aumenta mas o ritmo é pouco afetado. A música permanece entre o clássico e o rock pesado, e ganha tons de psicodelismo. A edição é muito boa também, este é um trabalho que varia entre o técnico e o artístico, passando pelo didático; é também a edição que valoriza mais a curva dramática da personagem.

Quanto ao elenco, ficou entre o médio e o ótimo. A Joe de Charlotte Gainsbourg continuou mediana, embora tenha se sobressaído no final, quando se mostra uma psicopata assassina. O Seligman de Stellan Skarsgård foi o melhor personagem, que demonstrou sua fragilidade humana ao não resistir à toda tentação do discurso da moça, e pagou um altíssimo preço por sua excessiva complacência. O Jerôme de Shia LaBeouf foi um personagem muito fraco, sem espírito, uma samambaia teria atuado melhor, e aqui está um pecado: ele é o eixo que articula toda narrativa. LaBeouf é ruim como jovem, ruim como chefe, ruim como amante, ruim como adulto, péssimo como marido e ruim de novo nas cenas finais. Os personagens que mergulharam de verdade nos papéis foram “K” de Jamie Bell, o dominador sadomasoquista e o empregador “L” de Willem Dafoe; ambos foram sensacionais e convenceram.

A direção, foi boa, para o tipo de narrativa que se propôs atingiu o seu objetivo.

Para um filme com investimento baixo, de 4,7 milhões de dólares, o retorno foi também baixo, 12,5 milhões. A culpa do pouco retorno não foi da produção: é que a publicidade promete uma coisa, e entrega outra. Um marketing de erotismo e pornografia que entrega um drama psicótico no final, não é honesto e público sentiu isso.

A película recebeu 20 indicações à premiações pequenas (nenhum Oscar) das quais venceu 9 e a maioria por habilidades técnicas e não por leitura simbólica.

Uma nota 2 é mais que justa: é piedosa.

Ficha técnica de Ninfomaníaca:

Filme / Ano 2013 / Nymphomaniac ( Ninfomaníaca )
Produção Marie Cecilie Gade, Louise Vesth
Direção Lars von Trier
Roteiro Lars von Trier
Fotografia Manuel Alberto Claro
Música Zentropa
Edição Morten Hojbjerg, Molly Marlene Stensgaard
Elenco Charlotte Gainsbourg, Stacy Martin, Stellan Skarsgård, Shia LaBeouf, Christian Slater, Jamie Bell, Uma Thurman, Willem Dafoe, Mia Goth, Sophie Kennedy Clark, Connie Nielsen, Michaël Pas, Jean-Marc Barr, Udo Kier
Orçamento / Receita US$ 4,7 milhões / US$ 12,5 milhões