Todos os aspectos técnicos já abordei nas críticas individuais, quem quiser lê-las, seguem abaixo os links:

  1. Por um punhado de dólares
  2. Por uns dólares a mais
  3. Três homens em conflito

Aqui abordarei a meta narrativa da trilogia como unidade, a mensagem e a argumentação de Sergio Leone, como roteirista e diretor.

Logo no primeiro filme, Por um punhado de dólares, o Pistoleiro sem nome chega numa cidade da fronteira dos EUA com México para botar ordem na casa, encontra duas gangues rivais que disputam o território, e civis sofrem no meio. Se o título sugere que a motivação dos personagens é o dinheiro, a obra torna-se poética ao demonstrar claramente que a motivação do protagonista está muito longe disso: o pistoleiro ganha uma boa somatória em dinheiro prestando serviços na guerra das gangues, mas abre mão de tudo que ganhou para libertar uma família refém do crime, o sujeito fica sem um centavo no bolso, acaba com as gangues, liberta a cidade, e parte sem qualquer arrependimento para outra cidade.

Qual seu dilema nesse filme? Uma escolha entre fazer o bem libertando a família, ou enriquecer com guerra do crime. Ele escolhe fazer o bem, e aqui seus valores ficam claros. É uma lição de hombridade, de grandeza de alma. Essa é a mensagem deste filme, que a nobreza do homem está em escolher o bem, e não em ter muito dinheiro. Que comparadas ambas numa escala de prioridade, o caráter vem antes, o bolso depois; e mais, quando invertida esta hierarquia, o homem torna-se um bandido, ele seria exatamente igual aos bandidos que combatia, caso sua escolha fosse oposta.

Leone demonstra isso na partida do personagem com os bolsos vazios, mas com a consciência limpa.

Já no segundo, Por uns dólares a mais, o Pistoleiro sem nome chega em outra cidade, agora como caçador de recompensas, e encontra outro caçador de recompensas, o Coronel Mortimer, de quem se torna um grande amigo e sócio, ambos em busca do mesmo criminoso, El Indio, um bandido violento e perturbado, e chefe de uma grande gangue. O protagonista descobre que além de chefe de gangue, El Indio estuprou e matou a própria irmã, que era esposa do seu novo amigo e fica em silêncio. Durante a caçada à gangue, quando no final resta apenas o bandido principal, ele surpreende Mortimer que está próximo a morrer em um duelo trapaceado e o ajuda, colocando-o em condição de igualdade, então espera o resultado de uma luta justa entre ambos, e o Coronel vence o duelo. Sabendo do passado de ambos, o Pistoleiro abre mão da recompensa deixando-a para o Coronel integralmente, como uma reparação pelo sofrimento, e Mortimer abre mão de tudo, agradece-o, despede-se, e parte. Dessa vez nosso herói segue seu rumo, com uma consciência limpa e com o bolso cheio.

Novamente o título da obra sugere que a motivação dos personagens é o dinheiro, e tal ideia é reforçada pelas profissões escolhidas por ambos, mas dessa vez, um dilema parecido com o anterior é colocado: o que vale mais? o dinheiro das recompensas que não era pouco, ou fazer o bem a um amigo que há anos sofria? Ele escolhe o bem novamente, e abre mão do dinheiro, mas o dinheiro volta para sua mão como demonstração de afeto de seu amigo agradecido. É mais uma vez, esta a mensagem do filme, que numa escala de valores, o caráter está acima dos bens materiais representados pelo dinheiro, e que caso fossem invertidos, novamente não haveria diferença alguma entre os protagonistas e os bandidos, eles seriam iguais, é exatamente esta hierarquia de valores que os tornou diferentes, diferentes e diametralmente opostos.

O argumento de Leone foi diferente dessa vez em sua conclusão, na qual o protagonista saiu novamente com consciência limpa, mas agora com o bolso cheio também.

E por último, no terceiro filme, Três homens em conflito, nosso protagonista chega a outra cidade, com um parceiro de crime, dessa vez ele apresenta-se como um tipo de criminoso que sempre captura o mesmo homem, Tuco, um bandido comum com delitos leves, burro mais que uma porta, e metido a sabichão, sempre procurado pela polícia, e o conduz à cidades diferentes, onde recebe a recompensa pela captura e na última hora salva-o da forca, então ambos fogem e dividem a recompensa, parecem dois moleques, dois irmãos brincando com coisa séria. Acontece que, assim como irmãos brigam feio na vida real, no filme não é diferente, ele e Tuco não são exatamente uma dupla harmonizada, entre socos e apertos de mão continuam uma amizade em tom infantil. Um terceiro personagem surge, o perverso Olhos de anjo, e descobre que há um tesouro, uma altíssima somatória em dinheiro enterrada em uma cova de um determinado cemitério, e parte em busca dessa recompensa. O caminho dos três se cruza quando Tuco descobre o nome do cemitério, o Pistoleiro descobre o nome da cova, e Olhos de anjo sabe o que tem dentro.

Na busca pelo tesouro o caminho é árduo, eles precisam atravessar a guerra civil americana, ver homens lutando bravamente e morrendo por suas causas, o roteiro respeita e honra ambos os lados, ignorando as causas e valorizando os homens por trás das fardas. Pelo simples fato de estar disposto a morrer por algo, já alcança-se a essência da coragem, e Leone soube honrar isso.

Ao alcançar o local os três finalmente terão que duelar, e o Pistoleiro decide que ficará com o tesouro quem o merecer, eles separam-se em um campo e a tensão no ar é tamanha que pode ser cortada com uma tesoura. Por escolha espontânea ambos atiram em Olhos de Anjo, e Tuco fica sem munição para atirar no protagonista, que poupa-o da morte. Este por sua vez revela o tesouro e divide-o meio-a-meio com Tuco, e parte.

O dilema colocado por Leone é o seguinte: o que vale mais? sua consciência limpa ou ficar rico? Se o Pistoleiro tivesse matado Tuco quando teve oportunidade, seria agora um assassino comum, desonrado por matar um homem indefeso, e ele escolheu poupá-lo, e mais, quando ele diz que eles terão que merecer o dinheiro, é porque sabia que atravessar todo território da guerra civil não foi fácil, houve muito esforço para chegar até ali, e dessa forma seria justo que cada um levasse sua parte. Então novamente ele ao dividir metade com Tuco, demonstrou ser justo. Se ele escolhesse o mal, seria idêntico ao Olhos de anjo, um perverso desprezível.

Leone foi mais simbólico ainda nesse terceiro filme, ao escolher os apelidos secundários dos personagens, o Pistoleiro foi chamado o Bom, Olhos de anjo foi o Mau, e Tuco o Feio. A escolha destes símbolos foi estética imaterial, o Bom porque seu caráter era bom, era fazer o bem, o Mau por ser precisamente o inverso, e o Feio por não ser uma coisa nem outra, por viver um mundinho de miudezas morais, não se tornando um assassino frio como o Mau, mas um ladrão de galinhas e afins, aquele tipo de maldade perdoável, aquele tipo de sujeito que requer paciência.

Finalmente nosso herói parte, novamente com a consciência limpa, com o bolso cheio, e desta vez com uma medida moral certa, muito bem delineada.

Quando na trilogia toda o protagonista é apresentado sem dizer seu nome, o recado de Leone é: poderia ser você, poderia ser qualquer um, o nome não importa, importa o que você efetivamente faz. O personagem é sua própria alma, e não como se apresenta à sociedade: nisso reside uma comunicação inspiradora com o público, que de fato foi inspirado e é até hoje. Os fãs da trilogia, todos, queriam ser o Pistoleiro, e para ser como ele, não é vestindo-se, ou cortando o cabelo, ou fumando cigarrilhas que isso realiza-se, é escolhendo em seus dilemas o bem, e a justiça. É sendo homem de verdade.

A argumentação da trilogia é a seguinte:

  • 1º filme: o que vale? O dinheiro ou o caráter? O caráter.
  • 2º filme: o que vale? O dinheiro ou caráter? O caráter. Mas ficar sem dinheiro é sinônimo de caráter? Não, não é, o dinheiro virá de acordo à justiça, e se todos amarem uns aos outros, não faltará nada para ninguém.
  • 3º filme: o que vale? O dinheiro ou o caráter? O caráter. E como devemos lidar com aquelas pessoas limitadas, burras, que não conseguem discernir muito bem entre o bem o mal? Respeitando o sacrifício de muita gente que deu a vida para construir seu país, perdoando as maldades perdoáveis, afim de que um dia, a pessoa finalmente evolua.

Leone conseguiu essa proeza, que praticamente não se repetiu mais, ele dissecou o herói, e exibiu apenas seu coração, ignorando sua aparência. Uma proeza fica maior ainda, quando descobre-se que foram literalmente os menores orçamentos do cinema, o primeiro filme contou com apenas 200 mil dólares, o segundo com 600 mil, e o terceiro com 1,2 milhões. O filme, literalmente pegou o público pelo peito e chacoalhou seus corações numa obra crua. Isso, é arte em sua essência.

O que significa ser homem? Leone nos ensinou no cinema com o Pistoleiro sem nome.

Encerro aqui a trajetória de análise desta trilogia, com a sensação de missão cumprida. Espero que esses quatro textos sejam de alguma valia para meus leitores.